Antes de mais nada, "auto" é uma designação genérica para peças de teatro, que inicialmente eram de caráter religioso ; depois, tornou-se popular.
Gil vicente é considerado o primeiro dramaturgo português.
Ao contrário do que muitos pensam, Gil Vicente não criticava as instituições, mas as atitudes das pessoas perante as instituições. Há exemplo tem-se a Farsa de Inês Pereira, crítica ao casamento por interesse (social, econômico,etc) e o Auto da Barca do Inferno, sátira social, com finalidade de moralizar e difundir a fé cristã.
Gil Vicente criticava a todas as classes sociais.
O "Auto da Barca do Inferno" (c. 1517) representa o juízo final católico de forma satírica e com forte apelo moral.
O cenário é uma espécie de porto, onde se encontram duas barcas: uma com destino ao inferno, comandada pelo diabo, e a outra, com destino ao paraíso, comandada por um anjo.
Personagens:
- Fidalgo
Representa a nobreza. É condenado ao inferno por seus pecados de luxúria e tirania. Este, arrogante, julga-se merecedor do paraíso, pois deixou muita gente rezando por ele. Recusado pelo anjo, caminha frustrado para a barca do Inferno, pedindo ao Diabo a ultima chance de ver sua amada, que "sente muito a sua falta". O Diabo destrói seu argumento alegando que esta o enganava.
- Onzeneiro
Agiota, é condenado ao inferno por ganância e avareza (Apego sórdido ao dinheiro para o acumular).
- Joane
Parvo (tolo, ingênuo) tenta ser convencido pelo Diabo a ir á barca do inferno. Quando este descobre para aonde querem levâ-lo, dirige-se ao Anjo, que o aceita em sua barca por considera-lo ingênuo e humilde.
- Sapateiro
Condenado pelo Anjo como alguém que roubou ao povo, o Sapateiro passou a vida enganando as pessoas, tenta inclusive enganar ao Diabo.
- Frade
O Frade chega com sua amante. Sente-se ofendido ao ser convidado pelo Diabo a ir à barca do inferno, visto que é um representante religioso, crendo que merece perdão. Foi condenado ao inferno por falso moralismo religioso.
- Brízida Vaz
Alcoviteira (que explora prostitutas) é condenada por feitiçaria e pela prostituição.
- Judeu
Encaminha-se direto ao Diabo, que se recusa a levá-lo. O Judeu tenta então falar com o Anjo, que o rejeita por não praticar ao Cristianismo. Por fim, o Diabo aceita levar o Judeu e seu bode, mas não dentro de sua barca, e sim rebocados.
Tal trecho faz-nos pensar em preconceito antissemita do autor, porém, para entendermos por que Gil Vicente deu tal tratamento a esse personagem, precisamos contextualizar a época em que o auto foi escrito. Durante o reinado de dom Manuel, de 1495-1521, muitos judeus foram expulsos de Portugal, e os que ficaram, tiveram que se converter ao cristianismo, sendo perseguidos e chamados de "cristãos novos". Ou seja, Gil Vicente segue, nesta obra, o espírito da época.
- Corregedor e um Promotor
Representantes do judiciário. São condenados à barca do inferno por manipularem a justiça em benefício próprio. OBS: Ambos conhecem Brízida Vaz, o que nos faz deduzir que trocaram serviços com a alcoviteira.
- Enforcado
Condenado a ir para o inferno por corrupção.
- Cavaleiros
Quatro cavaleiros que morreram durante a luta nas cruzadas, bem aceitos na barca do anjo.
Em vermelho: Personagens que seguiram para a barca do inferno
Em Azul: personagens que seguiram para a barca da glória (céu)
Em preto: personagem que não seguiu para nenhuma das barcas